vila rica

COMENTÁRIOS DA LIÇÃO DA ESCOLA SABATINA

PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2021


Lição 8

Consolem o Meu povo

Sérgio Monteiro

A partir do capítulo 40, o livro de Isaías muda de perspectiva e foco. A mudança parece ser tão drástica que estudiosos críticos do livro chegam a afirmar que, a partir desse capítulo, temos um novo autor. Esse autor teria vivido no período após o exílio de Babilônia e, por isso, podia saber tanto a respeito daquele período, incluindo o nome do libertador: Ciro. O raciocínio por trás dessa posição, além da mudança de foco, é que não existem profecias preditivas, ou seja, não há como Isaías, no 8º século antes de Cristo, ter falado do cativeiro babilônico e da conquista de Ciro, eventos que aconteceriam somente entre os séculos 7 e 6 a.C.

Essa ideia, ainda que comum nos meios acadêmicos, não deve ser aceita, por dois motivos básicos: 1) Mudança de tema não indica mudança de autor. Indica apenas que o foco passou de um tema para outro que, de alguma forma, está ligado ao primeiro; e 2) Profecia preditiva é elemento comum nas Escrituras; a não aceitação dela pressupõe uma visão naturalista e ateísta que não permite a ação de Deus. Por fim, o uso de expressões no passado para o retorno do exílio e a reconstrução da cidade, a partir de Isaías 40, não pode ser tomada como favorável a esses autores, porque mesmo em Isaías 1–39, elementos no futuro são referidos como estando no passado, ou no presente, como os casos de Isaías 7:14 e 9:5, 6.

Afastadas as pressuposições de um novo autor e outro tempo para o texto, devemos perguntar se realmente o capítulo 40 rompe com os capítulos anteriores e muda completamente o foco. Analisando o capítulo 39, a resposta é: Não. O capítulo 40 não rompe com os anteriores, mas continua no tema geral do livro, mas com uma mudança de perspectiva. O capítulo 39 introduz Babilônia e serve de transição entre a seção anterior e a seção que segue: Ezequias, diante dos enviados de Merodaque-Baladã, mostrou seu poder e riqueza, não a glória do Deus de Israel. Por isso, as gerações seguintes seriam “enviadas” para Babilônia, não para contemplar a grandiosidade da cidade, mas como exilados, porque se esqueceram da majestade de Deus.

Não obstante, como é central à aliança, o exílio não visava destruir o povo, mas humilhar sua cerviz e fazê-lo relembrar que sua prosperidade, poder e força estavam fundamentados na fidelidade a Deus. Por isso, o Senhor anunciou profeticamente que o exílio não duraria para sempre, mas se estenderia somente por um período, no qual Ele enviaria mensageiros para consolar Seu povo, anunciando que eles haviam sido perdoados. Seu perdão adviria, como é requerido pela aliança, do ato de escutar a voz de Deus, arrepender-se e endireitar seus caminhos, como já havia sido declarado no capítulo 1 de Isaías.

A mensagem do capítulo 40 inicia com uma declaração direta de que a dor e o pranto de Judá deveriam ser consolados. O sentido mais básico do termo hebraico utilizado, naham, é entristecer, arrepender, mas que na forma utilizada recebe o sentido de confortar. Não obstante, o uso do verbo aqui parece cumprir dupla função: a primeira e mais direta é anunciar o conforto e o fim das dores, e a segunda é anunciar o meio pelo qual o fim do exílio e o conforto chegaram: arrependimento. E não somente o arrependimento declarado, mas aquele que transforma e endireita avida. A declaração do verso 1, portanto, apresenta o resultado das ações descritas nos versos seguintes: Deus agirá, expiando os pecados de Israel, ou seja, perdoando a nação; e o povo agirá endireitando o caminho para a chegada do Eterno.

Nesse momento, a visão profética parece ir além do retorno de Babilônia para algo muito maior: a chegada de Deus, o dia do Eterno. A linguagem de comparação entre a grandiosidade de Deus e a diminuta existência das nações serve para contrapor a grandeza orgulhosa de Ezequias, bem como a grandiosidade que o povo encontraria em Babilônia. Deus é o Criador, cujos desígnios não conhecem frustração nem podem ser sondados. Sua glória seria manifesta diante de Israel e de todas as nações. Nada nessa descrição parece ser limitada, nem pode ser, ao período do retorno de Babilônia.

A chegada de Deus, no capítulo 40, é uma menção muito clara à inauguração do reino messiânico. A ideia de Emanuel retorna, ainda que o nome não apareça, nos versos 3, 9, 27-31. Deus é o Soberano de Israel que não Se afasta de Seu povo e o acompanha ao exílio. Também o traria de volta, permanecendo com ele no futuro mais longínquo, quando não apenas as aflições de Israel seriam consoladas, mas a base e a razão de seus sofrimentos seriam destruídas (v. 2). Noutras palavras, nos tempos vindouros, as iniquidades e pecados de Judá e Israel findariam. De que forma? Pelo pagamento de suas iniquidades e culpas.

Esse pagamento não seria oferecido por Israel, mas seria uma ação de Deus. Ou seja, a chegada de Deus incluiria o pagamento dos pecados de Judá. Essa profecia aponta, portanto, para a real maneira de resolver o problema do pecado: a ação divina, que se daria pelo Messias, algo que fica ainda mais explícito nos capítulos seguintes, principalmente no 53.

Por que Israel não podia pagar por sua própria culpa e expiar seus pecados? A resposta é encontrada na própria história pregressa de Israel, Judá e seus reis. O contexto das ações de Ezequias, um rei bom, mas ainda um rei humano, demonstra que o ser humano não consegue manter a justiça e a perfeição necessárias para o colocar além do pecado. Por isso, somente Deus poderia lidar com o pecado, a iniquidade e a culpa de maneira definitiva e completa.

O verso 9 apresenta uma mudança no arauto que anuncia boas coisas. Se nos versos anteriores a voz que clama e o arauto são masculinos, o verso 9 nos traz uma mensageira. Homileticamente, é possível enxergar a figura de Ana, a profetiza, e das mulheres no ministério de Jesus, que participaram tanto da proclamação de Sua chegada, quanto de Sua partida e ressurreição. Exegeticamente, entretanto, parece que o antecedente dos pronomes e verbos femininos seria o Ruach Adonai ou o Espírito do Eterno do verso 7, que em hebraico é feminino. Não seria, então, esse verso uma declaração de que, além da Palavra do Eterno, também o Espírito participaria da proclamação salvífica? A figura do Espírito volta a aparecer no verso 13, como participante no planejamento da criação, e também no capítulo 48:16, 17, sendo enviado para proclamar a libertação, em uma expansão da ideia que encontramos no capítulo 40. Dessa forma, podemos compreender que o conforto e o consolo da proclamação evangélica advêm da participação completa da Divindade no plano de criar o homem, guiar Israel, proclamar a redenção e purificar o povo da nação celestial.

Pr. Sérgio Monteiro